Diante de todo aquele desespero, um forte cheiro
de fumaça, acompanhado de muita dor, sofrimento, angústia e arrependimento, se
espalhou lentamente pelo ar como que quisesse dizer ao Mundo: — “Ei! Olhe para
mim!” — de uma forma desesperada e sufocante. O acidente já havia acontecido e
parecia que o fim tinha chegado para todos os passageiros. Uma forma injusta de
morrer, mas compreensível de se entender aos olhares das pessoas que começavam
a passar naquele local escuro e isolado da longínqua e abandonada estrada.
No meio dos destroços alguns rapazes, entre eles o
motorista, feriram-se gravemente. Um deles não resistiu à dor da Morte, que
estava completamente disponível a qualquer alma que se sentisse infeliz naquela
estressante e humilhante situação de caos; e, entre os destroços, uma bela
menina conseguiu mover um dos dedos, mesmo que involuntariamente, dando seu
primeiro sinal de vida diante de toda aquela situação mortal; ela ainda não
sabia que estava viva, mas a Morte ficou ao seu lado aguardando o momento certo
para entrar em ação. Porém ,
ela sabia que aquela vida à sua frente passava temporariamente por suas mãos como
uma obra de esperança que Deus reservara aos homens, e que tinha tanta
importância quanto o milagre de uma criança ao balbuciar suas primeiras
palavras. E foi neste momento que a menina se debateu enquanto caía em sono
profundo. O calor das ferragens atiçou sua memória explosivamente, conectando
seus neurônios e transmitindo uma inesperada mensagem no momento em que sentiu
sua alma afastar-se de seu corpo.
Uma luz suave envolveu a jovem menina no instante
em que aquela situação sobrenatural começou a acontecer. Ventos fortes pareciam
querer apagar qualquer forma de possibilidade do veículo explodir, deixando o
local frio e tenebroso. Mesmo assim a Morte permaneceu calada, acompanhada de
sua foice e seu olhar fúnebre, enquanto aquele estranho fenômeno desenrolou-se
diante de seus olhos.
A jovem menina sentiu uma enorme paz. Era como se
estivesse em um sono profundo e restaurador. Ela olhou para cima e viu uma
forte luz. Porém, em seu interior uma imagem começou a chamar sua atenção. Não
havia como descrever o que estava acontecendo, mas um momento de rara beleza
transformou completamente suas expectativas diante da possibilidade de se
encontrar pessoalmente com o Criador no Paraízo. Então, a jovem menina viu um
homem, com idade aproximada de 40 anos, observando-a ternamente. Era como se
aquela pessoa a conhecesse há vários anos, como um verdadeiro amigo do coração
que se aproxima em momentos de dor e sofrimento para demonstrar todo seu valor;
e, nesse exato instante, a alma da menina aproximou-se, dizendo:
—Oi! Tudo bem?
—Tudo bem! — disse o homem.
—Você é Jesus?
—Não! Por quê? Você o procura?
—Na verdade não sei. É que estou vendo minha vida
terrena se afastando de mim enquanto me aproximo de você. Também estou sentindo
uma paz muito grande em meu coração, agora. Por isso achei que estava chegando
no Céu.
O homem olhou para a menina sorridente e disse:
—Você não está no Céu.
—Não? Então o que estou fazendo aqui?
—Acalme-se, menina! Você está aqui apenas para
ouvir o que eu tenho a lhe dizer. Por isso afastou-se de seu corpo.
—Então isso quer dizer que eu não morri?
—Sim! Exatamente! Você está aqui porque o Criador
permitiu que eu falasse diretamente com você neste momento de dor e sofrimento.
Ele sempre soube o que aconteceria. Por isso deixou-me vir até aqui para lhe
dizer toda a verdade.
—Verdade? Que verdade? Não estou entendendo.
—A verdade é que eu vou precisar de você. Por isso
sua hora ainda não chegou. Portanto, volte em paz e viva com sabedoria. Mas
saiba que você irá sofrer muito e que, no fim, compreenderá o significado
dessas dores. Elas lhe trarão Vida. Uma Vida que você nunca irá esquecer e nem
se arrepender de ter vivido.
A jovem menina olhou para o homem decepcionada,
pois não queria sofrer. Mas sabia que, naquele momento singular e especial, não
era dona de seu destino. Porém, estava ciente de que seu futuro dependeria da
história que ela escreveria a partir daquele momento mágico e excitante. Então
o homem levou-a novamente ao seu corpo terreno, mesmo que frágil, soprando-a
para a luz da Vida, ao mesmo tempo em que a imagem ceifadora da Morte se
afastava, desintegrando-se como pó diante de toda fumaça e poeira do violento
acidente que havia acontecido naquela noite.
A jovem menina suspirou sufocantemente para a
vida. Sentia dores por todo o corpo, um gosto de morte nos lábios, um ardor
salgado nos olhos, o chão áspero e duro, a poeira densa, um calor insuportável
e uma pulsação que se acelerava na medida em que ela começou a enxergar, mesmo
que turvamente, a cena que estava à sua volta. Isso foi o suficiente para a
menina perceber que havia escapado de um acidente terrível, mas não explicava a
razão de sua vida. Viu que, diante de seus poucos amigos, alguns mortos e
dilacerados, com suas carnes expostas, seus ossos brancos à vista, seu sangue,
ora coagulado, ora ressecado sobre o asfalto, as ferragens retorcidas e um
cheiro fortíssimo de gasolina que se alastrava a cada segundo, teria que
levantar-se com o próprio esforço. Ninguém estava consciente para ajudá-la e
nem forte o bastante para levantá-la. Teria que fazer tudo sozinha, mesmo
diante das dores no corpo e na cabeça, que parecia ter sido tocada mais
“violentamente” durante sua queda. Uma dor que não era comum, mas que latejava
como se alguém tivesse aberto e fechado-a novamente, sem anestesia ou qualquer
outro recurso da Medicina que a aliviasse daquele angustiante sofrimento; e foi
neste exato momento que a jovem menina se recordou da imagem que viu. Não sabia
se tinha sonhado ou se alguém tentou acudi-la no momento em que esteve
desacordada. Porém, lembrou-se perfeitamente das poucas palavras que ouviu e
que insistiam em se repetir à medida que ela recobrava sua consciência:
“—...eu vou precisar de você. Por isso sua hora
ainda não chegou. Portanto, volte em paz e viva com sabedoria.”
E foi o que ela fez.
(§:§)
Conscientemente, ano após ano depois do horrível
acidente, a jovem menina buscou diariamente os difíceis caminhos que a levariam
à tão sonhada e repetida frase que não saía de sua mente. Ela queria ser sábia.
Por isso estudou incansavelmente. Lutou contra tudo e todos. Sofreu
discriminações entre amigos e familiares, pois era filha de mãe solteira, e percebeu
as primeiras dores de ter sido abandonada por seu pai enquanto enxergou as dificuldades
que sua mãe passou para criá-la sozinha antes de se casar com o padrasto, que
diariamente acometia a jovem menina a dores e humilhações semeadas por ele e
por seus descendentes consangüíneos.
As torturas começaram quando veio à vida seu
primeiro irmão, fruto da união de sua mãe e seu padrasto. Ele foi o único homem
do casal e, talvez, o mais amado entre os filhos. Porém, essa incerteza
manteve-se por anos, pois a menina ganhou mais 3 irmãs que a ofuscaram. Então, insistentemente
e com a ajuda de Deus, ela foi vencendo as dificuldades com muita coragem ao
mesmo tempo em que sentia medo. Seu olhar triste, que ela demonstrava
disfarçadamente quando estava em alguma roda de amigos, não negava toda a
angústia e terror psicológico pelo qual passava diariamente. Inclusive alguns a
interrogavam sempre nos dias em que estava mais frágil e sensível a respeito do
horrível acidente. Ela disfarçava e falava que “...o que passou, passou”.
Porém, seu coração gritava de dor todas as vezes que se lembrava desse
“episódio” em sua vida. Algo como pequenos flashbacks que a atormentavam à
medida em que sentia-se sufocada pelos fantasmas do passado.
Corajosamente ela foi se afastando de sua antiga
história enquanto ia escrevendo um novo presente, focado na felicidade que ela
tão sonhava para sua nova vida e seu futuro, de modo que a aliviasse das
tormentas familiares que diariamente a perseguiam; por isso se desdobrou entre
os estudos e o trabalho, tornando-se independente financeiramente e respeitada
diante de sua família e seus amigos que, em sua grande maioria, preferiam dar
desculpas sempre que lhes perguntavam por que não trabalhavam igual a menina.
Mas as desculpas, como sempre, era as mesmas que se ouvia há anos:
“—Não preciso trabalhar! Meu pai me dá dinheiro.”
Sempre que a jovem menina ouvia esta afirmação
caía em profunda tristeza, pois ela acreditava que eles tinham a vida que sempre
sonhou. Uma vida sem cobranças, sem julgamentos e sem brigas; brigas que se
estenderam em sua vida no dia em que seu filho nasceu, fruto de um amor puro e
simples onde os sonhos e a ansiedade se misturavam sempre que imaginava um
futuro mais feliz. Porém, o momento não foi propício a ela. Com isso se decepcionou
com o mundo por vários anos, que diariamente a massacrava, julgava e condenava,
machucando-a física e psicologicamente e empurrando sua estima para um abismo
sem fim e sem luz. Mas isso não foi o suficiente para abatê-la, pois, quando
pensou em desistir e se entregar, apareceu uma ajuda inesperada e milagrosa
durante todo o seu sufocante martírio que revirou sua vida de forma poderosa. Ela
teve a ajuda de um homem muito bondoso que percebeu sua situação solitária,
sempre a custeando em momentos importantes e tornando a criação de seu filho,
além de seus estudos na faculdade, um prazer indescritível.
Os anos se passaram e a menina, que agora se transformara
em mulher, priorizou a educação de seu filho na base da sabedoria e do diálogo,
tornando seu dia-a-dia cada vez mais espetacular. Os limites, o incentivo à
leitura e à Arte também passou a fazer parte do cotidiano daquela pequena
família, pois a jovem mulher percebeu que sua própria vida se transformou
completamente no instante em que começou a desenvolver seu intelecto, mesmo que
solitariamente ou com a ajuda de sua mãe nos momentos difíceis em que a afastou
dos conflitos familiares; conflitos estressantes que começaram a diminuir à
medida que o padrasto da jovem mulher foi se apaixonando pelo neto. O primeiro
de sua vida até então. Com isso, naturalmente, os momentos na casa foram se
iluminando aos poucos, ano após ano, e derrubando as barreiras das antigas
discussões familiares através daquela nova vida que iniciava. Aquele momento
novo para todos os moradores tornou-se uma inspiração diante das dificuldades
que surgiam, mas eram sempre amenizadas quando a criança sorria. Um sorriso
simples e sincero que o menino abria para todas as pessoas que, agora, faziam
parte de seu mundo.
A jovem mulher estava orgulhosa de seu filho. Às
vezes choravam em silêncio pelos cantos da casa, tanto de alegria como de
tristeza, mas nunca perdendo as esperanças.
O menino cresceu e a mãe alegrou-se ao vê-lo em
seu primeiro emprego, seu primeiro namoro, seu primeiro noivado e, por fim, com
seu casamento. E foi neste momento feliz que ela sentiu como se algo estivesse
sendo arrancado de seu corpo e sua alma; então, uma forte solidão tomou conta
de seu coração, dominando seu ser e controlando sua vida de forma angustiante,
pois, em seu íntimo, acreditou ter “perdido” um filho, mesmo sabendo que havia
“ganhado” uma filha. Uma nora de ouro que sempre entrou em conflitos com ela
devido sua forma diferente de pensar e agir; e essa guerra psicológica
permaneceu por 13 anos. No fim, a jovem mulher, agora uma senhora idosa,
debilitou-se e precisou do amparo da nora e do filho. Ambos acolheram a preciosa
causa, cuidando, rezando e acalentando todas as tormentas daquela frágil serva
de Deus.
Em momentos de solidão a senhora permanecia em seu
quarto relembrando os bons momentos que teve quando seu filho ainda estava sob
sua proteção. Mas alegrava-se toda vez que ele lhe fazia uma visita. O filho,
angustiado, se preocupava diariamente com a depressão que estava consumindo
lentamente sua mãe. Porém, alguns anos depois a senhora decidiu visitar o
filho, agora pai de 3 lindas filhas adotivas; e essa inesperada experiência
trouxe a ela um imenso bem, pois, num dos dias em que fez sua visita,
deparou-se com outra senhora que, naquele momento, fazia a faxina e ajudava a
cuidar das crianças do casal. Além disso, ela possuía um forte poder de
intercessão. Foi aí que a mãe do filho, coincidentemente, perguntou à senhora
se ela sabia orar, pois estava disposta a encontrar nas palavras de Deus a cura
que os remédios não estavam fazendo; e foi assim que tudo mudou.
Uma forte oração de cura interior começou no
momento em que a senhora perguntou à mãe:
—Você quer ser curada, minha filha?
Chorosamente, a senhora respondeu:
—Quero!
—Acredita no poder de Deus, Jesus e na intercessão
de Maria Santíssima e José?
—Sim!
—Então veja! — disse ela segurando a Bíblia com
uma das mãos — Assim, fechado, isso é um livro qualquer. Aberto, é a Palavra de
Deus Vivo.
Neste momento, a senhora abriu a Bíblia, sem ver,
e colocou-a no colo da mãe. Então uma forte palavra de Deus apresentou-se a
ela. Era o Salmo 39, versículos 1 ao 4, que diz:
“² Esperei no Senhor com toda a confiança,
Ele se
inclinou para mim, ouviu meus brados.
³ Tirou-me de uma fossa mortal, de um charco de lodo,
Assentou-me
os pés numa rocha, firmou os meus passos.
Pôs-me nos lábios um novo cântico,
Um
hino à glória de nosso Deus.
Muitos verão essas coisas e prestarão homenagem a
Deus,
E
confiarão no Senhor.”
Depois deste episódio, a senhora nunca mais pensou
em doenças ou em buscar auxílio nos hospitais. Sua vida tornou-se mais colorida e
seus olhos, os das meninas, do filho e da nora, brilharam diante da cura que
havia sido consumada. Ela passou a visitar a casa do filho e acostumou-se com a
alegria e o carinho das crianças, que fizeram com que seu coração voltasse ao
passado nos tempos de menina, transformando completamente seu tormento em
alegria.
A paz voltou ao lar da Jovem Menina, acalentando
seus familiares e permanecendo diante dela; e, num destes momentos felizes, a
senhora decidiu abrir seu coração e contar ao filho sobre o acidente de sua
adolescência, pois havia percebido como ele, agora com 40 anos, assemelhava-se
com a pessoa que disse, em sua semi-morte, que precisaria dela. E foi neste
momento que ela enxergou que precisava viver para dar à luz ao seu filho amado.
Filho este que, agora, lhe trazia mais 3 novas vidas inocentes e carentes,
também, de sua proteção.
Finalmente a senhora compreendeu que este foi o
início de uma nova vida, reservada a ela por Deus, que estava apenas começando.
Fernando Magaldi
Data do texto original: 02/12 a 07/12/2013
Data do texto final: 16/12/2013
Nenhum comentário:
Postar um comentário